Registro civil com etnia fortalece identidade dos povos indígenas da Amazônia

O registro civil com etnia vem se consolidando como uma ferramenta essencial para garantir a cidadania plena e o reconhecimento identitário dos povos indígenas da Amazônia. A mais recente ação do programa Justiça Itinerante Cooperativa, realizada em Boca do Acre no Amazonas, entregou registros civis com identificação étnica para indígenas das etnias Jamamadi e Apurinã. A iniciativa foi coordenada pelo Conselho Nacional de Justiça e teve participação ativa de juízes, servidores públicos e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas, reafirmando o compromisso interinstitucional com os direitos básicos dessas populações.

A entrega de certidões de nascimento com o nome da etnia marcou um avanço significativo para cerca de 200 indígenas atendidos, dos quais 40 passaram a ter o novo formato de registro civil com etnia. O programa promoveu mais de 1.600 atendimentos à população nas cidades de Boca do Acre e Xapuri, incluindo a emissão de documentos, serviços de saúde, assistência jurídica e ações culturais. A cerimônia de entrega das certidões foi acompanhada por representantes do CNJ e por membros da comunidade, simbolizando um reconhecimento histórico das raízes e tradições desses povos.

A adoção do registro civil com etnia tem um impacto profundo na vida das comunidades indígenas, pois assegura o vínculo legal da pessoa com sua cultura e origem. Segundo a conselheira Daiane Lira, a inclusão da etnia no documento reforça o pertencimento e a ancestralidade, valores essenciais para a formação da identidade coletiva. O documento também representa um marco para que esses cidadãos possam exercer plenamente outros direitos, como acesso à educação, saúde, programas sociais e participação política.

A mobilização para o registro civil com etnia começou meses antes do evento oficial, com reuniões entre o CNJ, a Funai e lideranças indígenas. No caso dos Jamamadi, uma longa viagem de barco, com duração de três dias, foi necessária para que 90 indígenas chegassem à cidade e participassem da ação. O esforço conjunto envolveu logística, alimentação, transporte e articulação comunitária, demonstrando a complexidade e a importância de iniciativas voltadas a territórios de difícil acesso.

Para a juíza auxiliar da Presidência do CNJ, Lívia Peres, o registro civil com etnia é um direito fundamental e a base para todos os demais. Ela destacou que sem esse documento básico, o indivíduo sequer existe para o Estado, tornando-se invisível juridicamente. O mutirão de cidadania, portanto, atua como um ponto de partida para ampliar o alcance das políticas públicas e incluir populações que historicamente foram marginalizadas.

O cartório de Boca do Acre teve papel fundamental no sucesso da ação, com visitas prévias às aldeias e suporte direto às famílias indígenas. A registradora Patrícia Dias relatou que muitos indígenas estavam sem registro, RG ou CPF, o que dificultava até mesmo o acesso a serviços elementares. O registro civil com etnia permitiu também a emissão de outros documentos e o reconhecimento legal de jovens que nunca haviam sido oficialmente registrados, como no caso de dois adolescentes Jamamadi que receberam sua certidão pela primeira vez.

Em um testemunho comovente, a indígena Elisabete Silva de Sousa, do povo Apurinã, viajou 70 quilômetros para registrar seu filho de 24 anos com a etnia incluída. O registro civil com etnia representou para ela um motivo de orgulho e esperança, marcando o início de uma nova fase de visibilidade e reconhecimento para sua família. O próximo passo será a correção do próprio documento de Elisabete, o que ela espera com entusiasmo.

A programação da Justiça Itinerante incluiu também ações culturais, como a exibição de curtas-metragens na praça central de Boca do Acre, com temáticas voltadas à igualdade, diversidade e justiça social. A atividade, que contou com debate popular após a exibição, reforçou a importância da cultura como instrumento de conscientização e fortalecimento de identidade. O registro civil com etnia, nesse contexto, deixa de ser apenas um documento e passa a ser símbolo de uma nova política de inclusão e respeito às raízes ancestrais do Brasil profundo.

Autor: Tiberios Kirk

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