Justiça obriga São Paulo a renomear vias que glorificam a ditadura militar em nome da democracia

A recente decisão da Justiça que obriga a cidade de São Paulo a renomear 11 logradouros públicos que celebram a ditadura militar representa um marco importante na luta pela preservação da memória democrática do Brasil. Ao ordenar a criação de um cronograma em até 60 dias para a substituição desses nomes, a Justiça reafirma o papel fundamental do Estado na reparação simbólica das vítimas de um regime que se destacou pelas violações sistemáticas de direitos humanos. A medida surgiu a partir de uma ação movida pela Defensoria Pública da União em parceria com o Instituto Vladimir Herzog, entidades historicamente engajadas na defesa da democracia e da verdade histórica.

A ditadura militar no Brasil, que se estendeu de 1964 a 1985, foi responsável por inúmeros casos de tortura, assassinatos, desaparecimentos forçados e censura. A permanência de homenagens públicas a figuras e eventos associados a esse período representa, para muitos estudiosos e ativistas, uma forma de perpetuação da barbárie. Assim, a renomeação de vias públicas em São Paulo torna-se não apenas um ato jurídico, mas também um gesto educativo e civilizatório, orientado por um compromisso ético com a justiça e os direitos fundamentais da sociedade.

Entre os logradouros citados na ação estão locais emblemáticos, como a Avenida Presidente Castelo Branco, a Ponte das Bandeiras Senador Romeu Tuma e a Rua 31 de Março. Cada um desses nomes carrega consigo um simbolismo ligado ao autoritarismo e à repressão. A 31 de Março, por exemplo, remete à data que marca o golpe militar de 1964, momento em que se iniciou um dos períodos mais sombrios da história nacional. A reavaliação desses nomes se insere numa lógica de construção da memória coletiva baseada na verdade e na justiça, ao invés da exaltação de protagonistas da opressão.

A Justiça foi clara ao argumentar que a manutenção dessas homenagens representa uma grave omissão por parte do poder público. Em sua decisão, o juiz apontou que a omissão contribui para a naturalização de um regime que negou direitos civis, políticos e humanos. A iniciativa judicial se alinha a práticas internacionais de justiça de transição, que compreendem ações estatais voltadas à promoção de memória, verdade e reparação, especialmente em países que passaram por regimes autoritários ou conflitos internos de grande escala. Assim, renomear as vias públicas se torna um passo necessário para reafirmar os princípios democráticos no espaço urbano.

A medida também dialoga com o Programa Ruas da Memória, criado em 2016 com o objetivo de rever a nomenclatura de locais públicos que prestam homenagem a autores de graves violações de direitos. O programa busca substituir esses nomes por homenagens a pessoas ou movimentos que contribuíram para a luta por democracia, liberdade e direitos humanos. A decisão da Justiça reforça esse programa e o coloca novamente no centro do debate público, incentivando a participação da sociedade civil na construção de uma memória coletiva mais justa e representativa.

A Defensoria Pública da União e o Instituto Vladimir Herzog sustentam que a revalorização dos espaços públicos passa pela superação de símbolos autoritários. Para essas instituições, a renomeação é uma medida necessária para reparar simbolicamente os danos causados às vítimas da ditadura e para mostrar à sociedade que o Estado não compactua com homenagens a torturadores e violadores dos direitos humanos. Em tempos de polarização política, ações como essa ganham ainda mais relevância ao delimitar claramente quais valores a administração pública pretende defender.

O debate sobre a memória da ditadura militar também foi reaceso pelo pronunciamento do Supremo Tribunal Federal em abril deste ano, ao destacar a importância de se lembrar os 61 anos do golpe de 1964. A Corte defendeu que somente com o reconhecimento do passado é possível evitar a repetição de tragédias políticas. A decisão do STF reforça a ideia de que a democracia exige vigilância constante e ações concretas para garantir que abusos do passado não voltem a ocorrer, especialmente quando esses abusos são glorificados em espaços públicos.

Com o prazo de 60 dias correndo, espera-se que a Prefeitura de São Paulo não apenas cumpra a decisão judicial, mas também se envolva ativamente com a sociedade civil para discutir novos nomes que representem os valores democráticos. Sugere-se que escolas, universidades, movimentos sociais e vítimas da repressão militar sejam consultados para que a renomeação não seja apenas burocrática, mas também participativa. A justiça que obriga São Paulo a renomear vias ligadas à ditadura militar é um passo essencial para que o país consolide sua democracia e reverencie os verdadeiros heróis da história: os que lutaram por liberdade, igualdade e justiça.

Autor: Tiberios Kirk

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