O Que é Fracasso Escolar? O Que se Espera de Uma Relação de Ensino e Aprendizagem? A Aprendizagem Ocorre em Todos os Espaços da Vida?
Palavras-Chave: Fracasso Escolar; Ensino; Aprendizagem; Pedagogia; Processo Educativo
Com a finalidade de analisarmos os principais motivos do fracasso escolar faremos uma pequena reflexão sobre o nosso cotidiano. Ao acordar pela manhã, meio sonolento, você vai ao banheiro e escova os dentes.
Nesta pequena ação cotidiana, que normalmente executamos de forma quase automática, está envolvido todo um processo de ensino e aprendizagem, pois escovar os dentes – por exemplo – não é a uma ação natural, biológica ou inata do homem.
Ao observarmos atentamente esta ação verificamos que alguns fatores contribuem para a sua realização de forma adequada. Nós aprendemos a escovar os dentes com alguém – pais, irmãos, avós ou pessoas que primeiro realizaram esta ação.
Existiu uma mediação, uma observação da ação, o uso de instrumentos (escovas, pasta de dentes, dedos), assim como o desejo de aprender a ação, no caso escovar os dentes.
Esta pequena reflexão sobre uma ação cotidiana serviu para que, juntos, pudéssemos observar a aprendizagem humana nos seus mais diversos aspectos e, dessa forma, tentarmos compreender a questão do fracasso escolar para além dos fatores que caracterizam os distúrbios e as dificuldades de aprendizagem que eventualmente ocorrem no ambiente escolar.
Quando pensamos nos aspectos biológicos que contribuem para os distúrbios de aprendizagem podemos considerar que estes são de ordem hereditária, originários de lesões cerebrais, desequilíbrios neuroquímicos e erros no desenvolvimento cerebral ([1]).
Para discutir o fracasso escolar é preciso compreender o que se espera de um processo educativo e conhecer a história que determina a existência das diversas abordagens metodológicas presentes na Pedagogia.
Existem, por exemplo, abordagens contemporâneas de aprendizagem as quais consideram o erro como parte do processo de aprendizagem e não uma dificuldade.
Assim, Piaget considera alguns aspectos que devem ser observados pela Pedagogia; questões que, embora levantadas pelo autor no início do século XX, ainda permanecem atuais para se pensar no processo educativo, identificar os objetivos do ensino, os ramos ou conteúdo a serem desenvolvidos e os métodos a serem utilizados para alcançar esses objetivos. Essas questões podem ser consideradas atemporais no que se refere ao processo de ensino e aprendizagem ([2]).
Então, se pensarmos que uma relação de ensino e aprendizagem envolve objetivos, conteúdos e métodos para alcançá-los, é possível inferir que o que se considera fracasso escolar deve, de alguma maneira, ser capaz de identificar onde e porque ocorreu a impossibilidade do aprendizado de forma adequada.
Isso significa afirmar que, descontados fatores de origem hereditários e demais fatores de origem biológica que possam impossibilitar a aprendizagem de alguns conteúdos, a aprendizagem poderá ocorrer a contento de forma significativa, desde que as causas do fracasso escolar sejam identificadas e repensadas formas de intervenção que possibilitem ao indivíduo superá-las.
Sendo assim, não basta pontuar que a pessoa não aprende e, na verdade, é preciso identificar os fatores que – de forma concreta – estão contribuindo para este não aprendizado.
Uma consideração sobre o conceito de fracasso escolar é que existem fortes divergências teóricas sobre como abordar a questão e a sua existência enquanto objeto de pesquisa.
Ou seja, para alguns autores não existiria o fracasso escolar estrito senso, mas vários fatores que levam o sujeito, no caso o aluno, a não aprendizagem, assim quando observamos uma revisão de literatura sobre o tema realizada por Peze e Marin (2017) a partir de 44 estudos no Brasil, Espanha, Suécia e Portugal, os quais consideram, entre outras questões, que:
[…] a dificuldade de pesquisar o fracasso escolar é evidenciada na definição de seu próprio conceito, pois não há consenso entre os autores. Como referido por Marchesi e Pérez (2004), o termo fracasso escolar é utilizado nos mais diferentes contextos, para distintas situações.
Dentre os estudos avaliados, os principais conceitos utilizados foram reprovação, avaliação dos profissionais da escola (dificuldades de aprendizagem/ comportamentais) e escore obtido em determinados testes de desempenho.
Entretanto, ressalta-se que estes normalmente avaliavam aptidões específicas de leitura, ortografia e matemática, desconsiderando outras habilidades também importantes, como motricidade, habilidade musical ou artística e capacidade de relação interpessoal. Esse dado revela a organização do atual sistema de ensino nacional e também internacional, que privilegia as capacidades acadêmicas e intelectuais.
Também se questiona sobre o quanto o fracasso escolar pode trazer prejuízos para as pessoas que o vivenciam. A ideia que costuma prevalecer é a de que alguém fracassa (MARCHESI & PÉREZ, 2004) e, na grande maioria dos casos, se entende que esse alguém é o aluno, como fica evidenciado nos resultados dos estudos. (PEZE/MARIN, 2017, p. 8).
Apesar do texto anterior afirmar que não há consenso sobre o termo “fracasso escolar”, a pesquisa nos mostra que os aspectos comumente relacionados ao fracasso escolar são aptidões de leitura, aprovação/reprovação, pontuação em testes de avaliação e desempenho dos professores. As avaliações positivas ou negativas em relação a estas aptidões têm sido consideradas como indicadores de um fracasso escolar.
As Concepções do Fracasso Escolar: São os Sistemas Educacionais? Seriam os Método de Ensino e Aprendizagem? Vejamos os Porquês do Fracasso
Como vimos no tópico acima, dependendo da perspectiva adotada para se considerar o fracasso escolar, podemos chegar também às suas eventuais causas. Assim, para alguns especialistas o fracasso escolar é decorrência do método de ensino adotado e, para outros, a culpa é da família.
Outros ainda deixam para o aluno toda a responsabilidade pela aprendizagem. Porém, é preciso fugir de respostas simplistas para problemas complexos e que são tecidos juntos.
Para responder a esta questão, voltaremos primeiramente às concepções de aprendizagem na infância e na idade escolar.
Existem algumas teorias que se contrapõem entre si quando se trata da relação ensino e aprendizagem ao longo da história. Assim, podemos destacar algumas destas concepções e, a primeira delas, diz que:
[…] o primeiro tipo de solução proposta parte do pressuposto da independência do processo de desenvolvimento e do processo de aprendizagem. Segundo estas teorias, a aprendizagem é um processo puramente exterior, paralelo, de certa forma, ao processo de desenvolvimento da criança, mas que não participa ativamente neste e não o modifica absolutamente: a aprendizagem utiliza os resultados do desenvolvimento, em vez de se adiantar ao seu curso e de mudar a sua direção.
Um exemplo típico desta teoria é a concepção – extremamente completa e interessante – de Piaget, que estuda o desenvolvimento do pensamento da criança de forma completamente independente do processo de aprendizagem. (LURIA; LEONTIEV; VYGOTSKY, 2006, p. 103).
Podemos observar que esta concepção prevê que existe uma independência entre o processo de desenvolvimento da criança e o processo de aprendizagem, sendo que o processo de aprendizagem é uma ação exterior à criança.
Numa perspectiva que avalie o processo de ensino e aprendizagem baseada nesta concepção – que dissocia o desenvolvimento da criança e o processo de aprendizagem – podemos cair numa armadilha que invariavelmente venha a desconsiderar os aspectos sociais e ambientais presentes na escola, por exemplo, no momento de uma avaliação de aprendizagem.
Outra concepção que também faz uma separação entre os processos de desenvolvimento e os processos de aprendizagem considera que a aprendizagem é desenvolvimento (LURIA, LEONTIEV, VYGOTSKY, 2006), o que numa primeira impressão pode até parecer avançada em relação à concepção anterior, porém desconsidera todo o processo de maturação e desenvolvimento humano – o efeito é similar ao descrito anteriormente.
Se tudo é ambiente, o sujeito deixa de existir. Um dos expoentes desta teoria é o Willian James, que considera, entre outras questões, uma perspectiva naturalista do desenvolvimento humano que em sua ótica estaria vinculada à ação como força motriz da aprendizagem.
Uma terceira concepção (teoria de KOFFKA) tenta demonstrar que os processos de desenvolvimento humano e de aprendizagem, embora independentes, se entrelaçam, são simultâneos e sincrônicos.
A teoria de Koffka nos permite ampliar as concepções de ensino e aprendizagem e inter-relacionar os diversos atores presentes, assim não são desconsiderados os processos neurológicos, ou seja, as bases neurológicas da aprendizagem que podem ser identificadas de forma inequívoca no processo de desenvolvimento humano. Existe um processo de maturação, como demonstram – de forma muito competente – os estudos de Piaget.
Por outro lado, ao considerar a simultaneidade e a importância dos processos de aprendizagem, a teoria valoriza de sobremaneira o aspecto social presente não somente no desenvolvimento, mas de forma substancial nos processos de aprendizagens escolares ou formais se preferirem.
([1]) SMITH, C. Dificuldades de aprendizagem de A – Z: guia completo para educadores e pais. Porto Alegre: Penso, 2012.
([2]) PIAGET, J. Psicologia e pedagogia. Rio de Janeiro: Forense, 2013
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